quinta-feira, 3 de julho de 2008

28º Bienal de São Paulo





Premissa

Em 1951, no texto de abertura do catálogo da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Lourival Gomes Machado, Diretor Artístico do museu, escrevia:

“Por sua própria definição, a Bienal deveria cumprir duas tarefas principais: colocar a arte moderna do Brasil, não em simples confronto, mas em vivo contato com a arte do mundo, ao mesmo tempo em que, para São Paulo se buscaria conquistar a posição de centro artístico mundial”. (pg. 14).



O tom otimista, a retórica cheia de esperanças, o engajamento com um tempo de reconstrução do mundo depois dos terríveis episódios da II Guerra Mundial, soam hoje como uma profecia, o lançamento de uma utopia, que cinqüenta e oito anos depois se realizou: São Paulo converteu-se num centro artístico internacional, uma cidade cosmopolita, uma referência na cena artística globalizada, enquanto o Brasil tornou-se um ponto de atração para artistas, curadores, galeristas e colecionadores internacionais. Artistas Brasileiros ocupam posições de destaque dentro da história e do discurso da modernidade pós-guerra, assim como na produção da visualidade contemporânea. Os objetivos de 1951 foram alcançados.

A pergunta que poderia ser colocada agora é se não seria o momento da Bienal de São Paulo avaliar e talvez considerar a possibilidade dela ter de se transformar ou substituir-se dentro de uma cidade com seis museus de arte, assim como uma série de centros culturais ativos e diversificados com programações sistemáticas de arte contemporânea local e internacional (vários com orçamentos proporcionalmente maiores que o da Bienal). Sem deixar de lembrar o panorama de coleções particulares importantes e representativas dentro do país, e a robustez do mercado de arte brasileiro local e internacional que a Bienal ajudou a consolidar, qual o papel que a Bienal desempenha hoje, como instituição pioneira no país e no continente, uma vez que também esses circuitos cresceram e se profissionalizaram, sendo parte de um sistema cultural globalizado? Talvez, uma pausa para um processo de auto-reflexão e crítica pudessem apontar para uma série de soluções coerentes para uma instituição que está se tornando redundante em seu contexto local e é incapaz de apresentar uma perspectiva crítica da era globalizada na qual está inserida. Deve-se notar, porém, que isso não é fenômeno ou prerrogativa endêmica meramente à Bienal de São Paulo. As condições são visíveis em muitas outras Bienais.

O modelo oitocentista de Bienal tem sido, desde o final dos anos 80, a estratégia mais usada por cidades e suas elites econômicas e políticas de ganharem visibilidade na aldeia global. A representação nacional não é mais o modelo vigente dentro das Bienais, porém uma política cultural baseada em identidade nacional prossegue mesmo em uma época na qual a função e o significado de fronteiras nacionais são questionados. Já são quase uma centena de bienais ao redor do mundo, todas mais ou menos trabalhando questões semelhantes, circulando diversas praticas artísticas de forma normativa. Está evidente que nesse contexto o modelo de Bienal tem possibilidades limitadas para uma faculdade crítica e um engajamento local, posto que opera dentro de um mecanismo que se alimenta e se reproduz como cogumelos, incessantemente. Como pode a Bienal de São Paulo reavaliar esse fenômeno cultural que se propaga em centros históricos (Veneza, por exemplo) assim como cidades que até recentemente eram vistas como sendo marginalizadas (Xangai, por exemplo) da mesma maneira? Que papel crítico pode a Bienal de São Paulo ter em uma época de consumo e turismo cultural? De que maneira pode ela trazer uma contribuição produtiva ao enquadramento deste debate com base na sua história e experiência como primeira instituição de seu gênero fora dos centros hegemônicos? Sistematizar uma reflexão sobre as bienais hoje, reavaliando suas qualidades e objetivos, revendo a sua agenda e sua função, pode representar uma possibilidade para a Bienal de São Paulo de retomar um papel dentro das muitas e diversas mostras de artes visuais periódicas que povoam o mundo no século XXI.

Recentemente, um novo fenômeno, no formato de um circuito global de feiras de arte, tem entrado em competição com as Bienais. Artistas freqüentam ambos os eventos, enquanto curadores incluíram a primeira como espaços privilegiados de pesquisa e como uma alternativa a visitas de estúdios de artista. Mas elas não são a mesma coisa: enquanto a feira de arte é um espaço primeira e principalmente comercial, de venda, a Bienal quer ser um de trocas livres e confrontos entre artistas, curadores, críticos e o público de arte. O que há sim é uma relação pouco transparente entre essa diferença fundamental, algumas feiras de arte apresentam sérios programas de palestras e exposições curadas, enquanto as Bienais se tornam cada vez mais dependentes do apoio de galerias no financiamento de participações de artistas. Afinal é notável o fato de que muitos dos projetos importantes desenvolvidos por artistas e apresentados em bienais, só foram possíveis porque foram financiados por suas galerias. E isso não é mau em si. O problema está em as Bienais, que, como tradicionais instâncias legitimadoras da arte contemporânea, agora estão em perigo de se tornarem meros agentes de um mercado ávido por carne fresca e pela insolência de artistas rebeldes, cujos trabalhos, colados com fita crepe, se convertem imediatamente em mercadoria sofisticada. Pior, considerando a perspectiva local inserida no circuito global em que as Bienais operam, elas correm o risco de se tornarem provedoras de um exotismo para o consumo de uma diversidade cultural, racial, e econômica, assim como álibis políticos e sociais do capitalismo transnacional.

Talvez, neste momento, todas as Bienais careçam de uma pausa para reflexão, de sistematizar conhecimento e experiência, e procurar especificidade e pertinência numa época em que o modelo parece criticamente exaurido e trivial (nada de novo, pois já se falava disso ao final dos anos 60, e então elas, as Bienais, eram pouco mais que doze!).

Talvez as Bienais, apesar do fluxo incessante de imagens, representações, e diversidade das práticas artísticas, e da voracidade da economia que alimenta o circuito, pudessem recuperar posições válidas se elas estivessem fundadas nas singularidades dos seus lugares de origem, localizadas nas demandas imediatas das regiões em que se inscrevem. Em lugar de tentar produzir uma visão totalizante e representativa da Arte, trata-se, talvez, de redirecionar sua vocação para delinear especificidades, produzir cartografias detalhadas, pondo em marcha um processo de trabalho investigativo e crítico, formal e sistemático, que questione, de modo produtivo, os movimentos e transformações percebidas num circuito pré-determinado, incluindo seus ecos e reverberações.

A 28ª Bienal de São Paulo se articulará em quatro componentes:

I – Praça

Os espaços do primeiro andar e do térreo terão uma ocupação e função diferentes do seu uso tradicional como espaço expositivo. O prédio será aberto à outra disposição, propondo uma nova relação entre a Bienal e seu entorno, o parque, os outros museus, a cidade. No primeiro andar (na parte que corresponde ao princípio da rampa de acesso ao segundo andar) serão colocados os serviços da exposição (bilheteria, receptivos, livraria, informações, meeting point, monitores, banheiros, lanchonete, elevadores, etc) e um conjunto de lounges para Internet e vídeo monitores, com uma extensão da Biblioteca no terceiro andar.

Os caixilhos e vidros que hoje fecham o térreo e o primeiro andar a partir da rampa serão removidos para que aquela área abra-se para o parque como uma grande praça, conforme o desenho original do projeto de Oscar Niemeyer. As jardineiras que ali um dia existiram serão restauradas aos seus lugares e o espaço será reabilitado (renovado). Uma série de acontecimentos se dará durante os 42 dias da exposição. Articulado com pequenos palcos, assentos e mobiliário, o espaço será projetado para acomodar áreas para discussão, teatro, performances, música, cinema e conversas com artistas, curadores, críticos, músicos, escritores, arquitetos.

A praça pública busca ser um espaço democrático, a ágora na tradição da polis, um território de encontros, confrontos, fricções. Um espaço para gerar energia, permitindo a aeração do prédio e dos programas da instituição. Além do sentido simbólico da Bienal de São Paulo abrir-se para rever e reafirmar seu lugar na cidade, a abertura desta parte do edifício resgatará o projeto original do pavilhão, pensado como uma praça para exibição de grandes equipamentos industriais, a serem contemplados dos terraços do mezanino.

II – O Vazio

A exposição do espaço vazio do segundo andar do pavilhão será um gesto radical de afirmando o ato de suspensão, elaborando uma análise sobre o modelo das bienais e seu papel no mundo contemporâneo. Esse gesto simbólico toma o vazio como o lugar onde as coisas são em potência, pleno e ativo, ao contrário de uma manifestação niilista, onde as coisas deixam de ser e perdem o sentido. Ele é fonte geradora, o território do devir, com múltiplas possibilidades e caminhos.

A apresentação teatral busca acentuar o caráter simbólico do ato de suspensão da exposição, para instaurar um momento de reflexão, o espaço vazio remete primeiro à avaliação de um processo, de verificação de seu estado e qualidade, assim como à intensa atividade artística que toma a cidade por ocasião das Bienais.

III – Biblioteca: Conferências, Documentos, Arquivo

No terceiro andar, no espaço climatizado, será instalada uma grande biblioteca, composta por um arquivo, um auditório, uma arena, uma sala de reuniões, uma sala de leitura grande, uma sala fechada para computadores e acesso a rede eletrônica, e uma coleção de catálogos, se possível, de todas as bienais no mundo hoje. Com o mesmo espírito da Praça no térreo, esse segmento tem como função ser o centro gerador de um conhecimento sistematizado sobre a própria Bienal de São Paulo, o modelo das bienais, o que elas representam, para pensar que futuro se pode querer para elas. Se a praça no térreo é o espaço do encontro, da energia epidérmica, sob a regência da intuição e dos sentidos, o conjunto do terceiro andar é o território da razão, o tempo e o lugar do registro da experiência, de colher e sistematizar o conhecimento, e pôr em prática uma reflexão organizada. Este segmento será articulado a partir do acervo do Arquivo Histórico Wanda Svevo, o único e mais valioso patrimônio da Fundação Bienal de São Paulo, a sua memória. É ele quem melhor pode contar o valioso trabalho realizado pela FBSP na formação do meio artístico brasileiro, desde a constituição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949.

Se essa Bienal propõe um momento de reflexão sobre o papel da instituição e seu projeto para arte contemporânea, levando em conta uma nova realidade local e internacional, ele requer uma revisão histórica das bienais de São Paulo, seu lugar no quadro das instituições de arte no Brasil, assim como uma discussão aprofundada sobre o modelo em que ela opera. A Biblioteca se constituirá de documentos, livros e depoimentos (de artistas, críticos, intelectuais e ex-curadores) selecionados e organizados com a colaboração de artistas convidados, e propostos ao público como possíveis entradas para a história das Bienais de São Paulo, assim como de outras Bienais, e as economias e culturas que elas representam. Será um espaço de pesquisa e reflexão, aberto ao público, e que deverá prover subsídios para o conhecimento e a compreensão da instituição e do modelo cultural que representa.

Assim como os outros componentes da mostra, o mobiliário e equipamentos para esse segmento também será objeto de trabalho encomendado a artistas/designers/arquitetos.

Também estamos trabalhando com artistas que investigam por meio de seus trabalhos os limites entre documento e representação, linguagem e leitura, história e ficção, para, a partir do material existente no arquivo da FBSP, produzirem outras leituras dele em trabalhos e intervenções que serão incorporados posteriormente ao acervo do Arquivo Wanda Svevo.

O ciclo de conferências será organizado a partir de quatro grandes entradas: 1) a Bienal de São Paulo e o meio artístico brasileiro; 2) agentes financeiros oficiais e privados reunindo agências governamentais, ONGs, fundações públicas e privadas, organizações fundamentais nas estratégias e estruturas das Bienais; 3) o modelo e o sistema das Bienais, reunindo diretores e curadores do maior número possível de organizações; 4) uma conferência ou painel, de caráter mais teórico e filosófico, refletindo sobre conceitos e parâmetros envolvidos no projeto curatorial da 28ª Bienal de São Paulo. Os trabalhos desenvolvidos serão registrados em publicações específicas produzindo um documento atualizado sobre o sistema das Bienais, sua economia, desempenho e possibilidades no século XXI.

IV -Publicações, Website

Considerando o modelo proposto para a 28ª Bienal de São Paulo, as publicações são parte integrante do projeto. Porém deve ficar claro que os volumes principais só poderão ser lançados depois do fim exposição, com o encerramento dos programas realizados na Praça e na Biblioteca. Para a abertura, estará disponível o guia da exposição detalhando o programa das conferências e atividades na praça, assim como depoimentos de artistas e curadores.

Também fica claro que dentro desta proposta o website da 28ª Bienal de São Paulo será de importância fundamental na criação de um espaço para a difusão do evento local e internacionalmente, assim como uma maneira dentro da qual um público mais abrangente poderá acompanhar o processo de reflexão e produção, uma ferramenta para contribuição, acessando e trocando idéias com pessoas ao redor do mundo que partilham de um interesse no debate.

Programa Educativo

Um dos principais desafios da 28ª Bienal de São Paulo é o seu programa educativo. Considerando que o tema da Conferência é a própria Bienal e o que será apresentado no 2º andar é um espaço vazio entre dois campos de intensa energia (a Praça – intuição e os sentidos; a Biblioteca – a razão sistematizada), pode-se pensar que esse conjunto permitirá o desenvolvimento de uma série de atividades em torno a experiências do vazio como o território da criatividade. Em outras palavras, o território do vazio é o lugar onde a intuição e a razão encontra solo propício para fazer emergir as potências da invenção na arte. Outro caminho importante será a recuperação das memórias das Bienais de São Paulo para o público. Serão desenvolvidas uma série de atividades que mostrem as contribuições dessas mostras para a formação do meio artístico brasileiro e para a história da arte.


São Paulo, Abril de 2008.

Ivo Mesquita, Curador Chefe
Ana Paula Cohen, Curadora



LINK
www.bienalsaopaulo.globo.com

2 comentários:

Fabiano RIBEIRO disse...

ola...


no seu post sobre a expo da Fundaçao Cartier, eu encontrei um comentario de uma entrevista que dei pra Radio France.

gostaria de saber onde vc o achou?

brigado

Fabiano Ribeiro

Dani disse...

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