domingo, 17 de agosto de 2008

Arte Atual- Isabela Prado.Trajetórias 2008-Fundação Joaquim Nabuco Visitação: de 08/08 a 14/09/2008,


Anamneses do corpo

Por Maria do Carmo Nino, Coordenadora de Artes Plásticas da Fundaj e curadora do Projeto Trajetórias

“O meu olhar é nítido como um girassol”.
Fernando Pessoa

Ordinariamente nossa experiência no espaço se dá de tal maneira que não passa pela nossa consciência que ele é o elemento no qual estamos imersos. Assim, o espaço em torno de nós se torna de certa forma tão invisível quanto o espaço em nós. Com recursos simples e de maneira direta, Isabela Prado nos estimula para o descobrimento de um espaço humanizado fora da lógica regida por convenções habituais. Na instalação interativa intitulada A 1:57 m, desde que tenhamos uma altura superior à indicada, de modo que nossa cabeça fique acima dos elásticos estendidos de ponta a ponta na sala, somos confrontados com uma curiosa experiência espacial onde o piso se vê visualmente em parte obliterado, provocando uma certa sensação de desterramento, de perda do chão. Em situação diversa, se tivermos a altura menor ou igual à da artista, a perda da referencialidade parcial do teto vem acompanhada de uma sensação que será a de exigüidade do espaço, causando um certo desconforto. Tudo se passa como se esta obra provocasse uma abundância de sensações do espaço e de sua consciência para nós, onde o exterior / interior e o alto / baixo tornam-se limites momentaneamente inoperantes. Como conseqüência, toda a nossa experiência interior se revela como realidade exterior através de um lugar situado fora de nós mesmos, suscitando necessariamente várias impressões, que podem ter contornos mais lúdicos, indo até uma reflexão mais interiorizada sobre isolamento ou sobre ponto de vista, tanto no sentido espacial, como no ‘sentimento a respeito de algo’.

O vídeo Aguapé apresenta em sua extrema simplicidade um deslocamento em relação à direção da força gravitacional ao qual nosso próprio corpo é submetido, mas que nossa percepção, habituada aos inúmeros locais de onde se dão as narrativas presumivelmente assumidas pela câmara em cinema e em vídeo, logo apreende. Este enquadramento permite que compactuemos com a artista a percepção do exato lugar a partir de onde a ação se conta, como se fôssemos uma extensão de seu próprio corpo.

Na medida, porém em que o vídeo se desenrola, a nossa reflexão assume também uma outra perspectiva, ao deparar-se com a contínua ação da água sobre a areia, moldando-a, agindo sobre a sensação de equilíbrio do (nosso) corpo. Somos assim gradualmente convidados a agregar valores significantes à repetição em ritmo cíclico, à ritualização, ao cotidiano, à duração, à memória: um corpo que, para resistir e permanecer de pé, precisa adaptar-se às novas conformações do terreno.

Em Cebola, mais uma vez a perspectiva do enquadramento é cuidadosamente abordada de maneira a que nossa percepção seja solicitada em termos de consciência de onde se dá a narrativa, porém, contrariamente ao outro vídeo, vemo-nos colocados principalmente na posição de observadores, onde o anteparo transparente através do qual se percebe a ação funciona como um desdobramento da própria lente da câmara, enfatizando a distância.

Na medida em que ação acontece e perdemos o contato visual com o que e quem está por trás do anteparo, um isolamento se estabelece e mais uma vez somos incitados a mergulhar no universo da nossa própria memória, do cotidiano, do ritual impregnado na repetição dos gestos que deixam marcas na superfície, tingindo-a de branco, uma cor que favorece o processo de interiorização e que remete à espiritualidade, além de ter recorrência no percurso da artista.

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