sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Andy Warhol-Other voices other rooms(outras vozes outras salas)


Andy Wahrol ao lado de Jean Michel Baquiat.

“Think you know him? Think Again”(Pensa que já o conheçe?pense novamente) é o slogan propositivo da mostra imperdível de Andy Warhol que a The Hayward Gallery apresenta até 18 de Janeiro de 2009. Refere-se, fundamentalmente, ao carácter histórico-revisionista que a exposição ambiciona e que determinou a nossa curiosidade científica: após anos de discussão sistemática, espectacular mediatização e toneladas de documentação produzida, será possível desconhecer ainda a completude identitária do fenómeno Warhol?

Eva Meyer-Hermann é a curadora da exposição “Other Voices, Other Rooms” e a editora do seu catálogo cronometrado, no qual os objectos exibidos são amplamente analisados em duas horas e cinquenta e seis minutos (A guide to 706 items in 2 hours 56 minutes, NAi Publishers, Roterdão), conforme velocidade voraz da ambição (democratizadora) de Warhol. Foi ela, em 1968, a curadora da primeiríssima retrospectiva de Warhol em espaço europeu, apresentada em Estocolmo e Amesterdão, nos mesmos locais que entusiasticamente reincidem no mapeamento da itinerância actual. Também hoje, como no passado, a exposição resulta da conjugação de esforços diferenciados, agora entre o Stedelijk Museum (Amesterdão), o Moderna Museet (Estocolmo), o Wexner Centre for the Arts (Ohio) e a The Hayward (Londres), espaços designados para a sua apresentação intercontinental, em cooperação com o The Andy Warhol Museum (Pittsburg).

Quarenta anos depois, a mesma equipa base prossegue a investigação, partindo, simultaneamente, da sua própria experiência de causa e do distanciamento histórico que o tempo e o luto de Warhol permitiram. Desafiou-se a inflectir profundamente a sua própria perspectiva sobre a globalidade do seu legado, através da confrontação activa de trabalhos icónicos com material inédito, negligenciado ou excepcionalmente apresentado e ousou re-emoldurar-lhe a essência, declarando o filme e o vídeo como o derradeiro cerne do seu trabalho (e as pinturas e outros trabalhos gráficos como fontes para a realização dos mesmos).

A homonímia com “Other voices, other rooms” de Truman Capote (1948), título, autor e figura masculina de eleição de Warhol, sublinha a identidade como motivação motor (e graal) subjacente à revisão instalativa e tripartida que propõe. “Cosmos”, “Filmscape” e “Tv-Scape” são as secções autonomizáveis (ou as múltiplas faces de Warhol), que a exposição congrega, reificadas em incríveis, inéditas, polémicas e dramáticas mise-en-scènes, cujo design reclama para si a liberdade reinventiva inata à atitude e ao corpo de trabalho do próprio Warhol.

O cenário de “Cosmos”, a sala introdutória, pretende induzir à experiência da excentricidade ambiental de Warhol. Assinala a abertura do “Warhol Archive” ao público, através, por exemplo, da exploração investigativa das “Time Capsules” – parafernália que sistemática e quotidianamente colectou em seiscentas caixas (cada uma com aproximadamente duzentos objectos) desde 1974 e que é surpreendentemente reveladora do seu apaixonado ecletismo mundano; ou dos “Factory Diaries”, vídeos que revelam as curiosidades associadas à vivência e frequência diária, mais ou menos glamorosa, do seu atelier “comunitário”, entre 1970 e 1982. Apresenta, necessariamente ainda, uma caixa brillo, uma marilyn, uma cadeira eléctrica, um auto-retrato, flores e uma lata de sopa em cabeçalho expositivo (beneficiando do incrível pé-direito da sala); e os primeiros trabalhos, como os realizados a folha de ouro, colocados em rodapé sobre o inevitavelmente feérico papel de parede (dezenas de vacas e maos como pano de fundo). Ainda os Velvet Underground, polaroids e folhas de contacto sem fim, magazines Inter/VIEW e Interview, as suas célebres citações “filosóficas” (aliás, forjadas pela edição de Gretchen Berg a partir da sua entrevista a Warhol em 1966), os ritualistas “screen test” ou milhares de minutos em gravações áudio. Imersão total: objectos elevados à sua máxima potência numérica, a perder de vista, num espaço deliberadamente restrito.

“Tv-Scape” concentra todo, mas mesmo todo, o trabalho que Warhol desenvolveu para o formato televisivo, desde o fim da década de setenta até à data da sua morte, e que marcou em definitivo a expansão radical dos (e inerente aos) seus princípios artísticos. São quarenta e dois episódios das séries “Fashion”, “Andy Warhol’ s TV” e “Andy Warhol’ s fifteen minutes” a que podemos assistir na íntegra, sentados sobre as estrelas do palco, no lugar do convidado.

“Filmscape” apresenta dezanove filmes (outros oito, que completam vinte e sete dos cerca de cento e sessenta por ele realizados, são exibidos em salas de cinema integrados na programação paralela), produções independentes de cinema experimental, em exibição simultânea e espaço único, como se de uma monumental instalação multi-projectiva e tridimensional se tratasse. A disponibilização de informação relativa à sua duração e tempo remanescente garante a liberdade da definição de uma estratégia individual de recepção: sincopada, mais próxima do carácter imediato e reconhecível da sua pintura; ou demorada, imersa no detalhe e variabilidade mínima dos seus intensos retratos vivos. De “Sleep” (1963) a “Blow Job” (1964), de “Empire” (1964) a “The Chelsea Girls” (1966) ou “Lonesome Cowboys” (1967-1968).

Uma pequena sala biográfica redunda, afinal, na pura leveza das suas nuvens prateadas. Que flutuam. Fosse o hélio tão inacessível como em 1968 e teriam, como lá, ficado a rasar o chão. Que importa o hélio? Que importa o Warhol?



Lígia Afonso (originalmente para artecapital.net)

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