domingo, 18 de maio de 2008

Duchamp, Man Ray, Picabia – The Moment Art Changed Forever(o momento que a arte mudou para sempre)

Nu descendant l'escalier 1912.Acervo do The Philadelphia Museum



Man Ray, “Cadeau”(presente), 1921. Ferro e pregos.


Francis Picabia, “Femmes au Bull-Dog”, 1940-1942. Óleo sobre cartão. 105 x 76 cm. Centre Pompidou © ADAGP, Paris and DACS, London 2008



De 21 FEV - 26 MAI 2008.



Dificilmente se poderia encontrar uma expressão mais adequada para caracterizar a exposição “Duchamp, Man Ray, Picabia – The Moment Art Changed Forever”, patente na Tate Modern, que a última frase do crítico de arte britânico Adrian Searle, publicada no Guardian há umas semanas: Rather than presenting us with closure and academic posturings, ‘Duchamp, Man Ray, Picabia’ makes the best of their art look vital again, dangerous and alive. É exactamente esta sensação de extrema vitalidade e de actualidade que esta exposição logra em transmitir através do pensamento que estrutura em torno às obras destes artistas.

Estes são três dos artistas de quem mais se fala, cita e alude em qualquer discurso sobre as práticas contemporâneas. São incontornáveis. É impossível pensar nas primeiras vanguardas sem referir o urinol de Duchamp, falar da fotografia surrealista sem evocar “Le Violon d’Ingres” ou a “Glass Tears” de Man Ray ou do Dadaísmo sem aludir aos ‘desenhos mecânicos’ de Picabia. Contudo, e por mais fundamentais que elas sejam, estas constantes referências acabam por colocar um peso demasiadamente grande em algumas obras, condenando uma importantíssima parte da produção destes artistas ao esquecimento ou, na maioria dos casos, ao seu quase total desconhecimento. Este é precisamente um dos grande méritos desta exposição, o de dar a conhecer e de articular obras que são praticamente desconhecidas e ignoradas pela grande maioria das pessoas. O seu resultado é tão mais surpreendente quanto nos dá a ver e a descobrir uma produção de tal modo profícua e original que acaba por construir um novo significado na percepção destes três artistas.

Dividida em 13 secções, que desenvolvem a clássica sistematização temática que conferiu notoriedade ao início da actividade museográfica da Tate, a exposição elabora um percurso que parte dos primeiros encontros e pesquisas destas três figuras históricas do Modernismo, passando pelas obras que realizam em conjunto (tal como os momentos de ócio passados juntos, como documenta uma excelente e divertida série de fotografias dos artistas a jogar xadrez), para terminar com a reflexão que os três artistas realizaram sobre si mesmos, sobre a sua obra e o seu posicionamento no contexto artístico dos anos 1960. Pelo meio, abordam-se temas como o movimento e as máquinas, que ecoam claramente as pesquisas futuristas; os objectos, a sua componente imaterial, a luz e transparência, num discurso que sublinha o contributo destes artistas para a desmaterialização da arte observada a partir dos anos 1960, com todos os movimentos conceptuais a ela associados; e por fim a performance e o erótico, que estabelecem igualmente uma relação com as actividades relacionadas com o corpo, aprofundadas durante a mesma década de sessenta.

As mais de 300 obras em mostra criam um corpus que explora as afinidades e paralelismos entre as pesquisas de Marcel Duchamp, Francis Picabia e Man Ray, demonstrando as suas múltiplas influências e contaminações, que ultrapassam em muito a criação do Dadaísmo ou os contributos dados ao Surrealismo. Deste modo, é extremamente interessante analisar como os três artistas resolveram preocupações comuns, que eram também os principais desafios de muitos dos artistas da Modernidade, como, por exemplo, as questões associadas à representação espacial, à desconstrução da perspectiva tradicional e ao movimento. Se Picabia associava a imagem em movimento à memória e à experiência, o “Nu Descendo as Escadas Num. 2” (1913), de Duchamp, ultrapassa a noção cubista da múltipla representação de diferentes ângulos para explorar o movimento em si mesmo, através de um elemento clássico da história da arte, o nu feminino.

Emotividade e análise conceptual fundem-se nas obras destes artistas, ainda que abordadas de pontos de vista diversos. A pintura de Man Ray (outra grande descoberta para o grande público, que facilmente ignorava o espólio pictórico do artista norte-americano), “The Rope Dancer Accompanies Herself with her own Shadows” (1916), certamente influenciada pela colagem de Duchamp, “The Bride Stripped Bare by Her Bachelors” (1915-1923), revela semelhantes interesses e preocupações.

Ao mesmo tempo que assinala as linhas de cruzamento de pensamento, interesses e estratégias artísticas, a exposição traça um perfil individual de cada um deles, da sua produção e dos diferentes caminhos que acabaram por seguir, sugerindo novas linhas de abordagem e de modos de conceber as obras individuais de Duchamp, May Ray e Picabia. Pela sua dimensão, pelas estratégias adoptadas na sua concepção, pelo impressionante espólio reunido, que junta as peças mais célebres dos três artistas com obras de colecções privadas e praticamente desconhecidas, e pela actualidade, vivacidade e irreverência redescoberta nas suas produções, “Duchamp, Man Ray, Picabia – The Moment Art Changed Forever” é sem dúvida uma das grandes exposições do ano.



Filipa Ramos

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