Camila Molina para O estadão.
Sábado, 06 de Dezembro de 2008 | Versão Impressa
Quatro artistas especialmente convidados pelo Estado comentam o polêmico evento que propôs debate e redução da mostra
Hoje termina a 28ª Bienal de São Paulo, Em Vivo Contato, finalizando sua curta duração, de 42 dias. Para quem quiser ir ao pavilhão ainda hoje, entre as atividades do dia estão, das 10 às 15 h, apresentação do trabalho Arquitetura Paralaxe: Aparecer - Desaparecer, de Alexander Pilis; e às 15 h, conferência no auditório do seminário Bienais, Benais, Bienais..., com a participação de Catherine David (curadora da polêmica Documenta X), Gabriele Horn, Michael Krichman, Thierry Raspall e Ivo Mesquita. Vale também conferir o Video Lounge, curado por Wagner Morales, seção de vídeos que ficou de certa forma "invisível" durante o evento. Já às 20 h começa o encerramento, com "festa" no térreo, apresentação de Axé Vatapá Alegria Feijão, do coletivo Assume Vivid Astro Focus.
Edição apelidada de "Bienal do Vazio", Em Vivo Contato, com curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, gerou reações negativas e positivas. O Estado convidou os artistas Paulo Pasta, Nuno Ramos, Shirley Paes Leme e Rosângela Rennó a darem suas opiniões do ponto de vista dos criadores sobre o que resultou dessa polêmica Bienal (leia ao lado). Edição que teve poucos trabalhos expositivos, atividades multidisciplinares, espetáculos e seminários e, ainda, como gesto maior curatorial, a opção por deixar o segundo piso do pavilhão da Bienal totalmente vazio, sua proposta era colocar em discussão a Bienal e o modelo do evento. Mesquita afirmou anteontem, no auditório, que o "debate poderia ter sido mais interessante" e fez a defesa da edição pelas várias críticas que recebeu. Para ele, foi "sucesso de público": acredita que até o fim do dia, a 28ª Bienal possa contabilizar pouco mais de 200 mil visitantes. "A Bienal de Veneza no ano passado, de junho a novembro, teve 370 mil", argumentou.
Paulo Pasta
"Penso ser quase um consenso a constatação da grande frustração que foi essa Bienal. Inútil querer procurar, à maneira de Poliana, o lado bom.
Com toda a consideração devida ao curador, pela sua trajetória e seriedade, o maior resultado dessa edição talvez tenha sido, ao contrário de um debate sobre esse tipo de mostra, ou de uma reflexão sobre a forma - mercadoria que a arte vem assumindo nos últimos tempos, o empobrecimento da experiência. Penso que isso acontece por uma razão óbvia: a ausência - ou a quase ausência - da obra de arte na referida exposição. Segundo os curadores, o objetivo central seria a de uma "Bienal de estratégia" e não de produção artística. Caberia aqui a pergunta: o que poderia gerar o debate que interessa? Não seriam justamente questões vindas da produção artística? Quando a obra está ausente, tudo se empobrece. A obra, a sua presença, é que sustenta o agora, que oferece os vários sentidos ao debate. Quando ela não está presente, sobra apenas a discurseira. Nessa direção, o vazio transforma-se em empobrecimento. E penso que nessa Bienal sobrou discurso... O que vem revelar o outro lado do empobrecimento: o da chatice. Bienal que discute Bienal, arte que discute arte, etc.
Sobre o que pode resultar dessa Bienal, eu acho que pouco. Lembro-me da história do homem que tinha um burro que comia muito. Querendo ter menos despesas com a alimentação do animal, o homem foi diminuindo, aos poucos, a quantidade de comida dada ao bicho. Quando este estava quase acostumado ao mínimo de comida, ele morreu.
Penso que essa história poderia servir de metáfora para essa Bienal do pouco. O maior perigo desta talvez seja acelerar esse sentido de morte. Sim, porque tudo o que começou um dia pode acabar. É responsabilidade da gente dar continuidade às coisas."
Shirley Paes Leme
"Acho que o curador Ivo Mesquita é um profissional extremamente competente e corajoso ao romper com o estabelecido trazendo à tona uma questão que é importantíssima para o mundo contemporâneo: o espaço heterotópico. O curador e sua equipe trabalham com a dessacralização do espaço unindo o fora e o dentro como uma coisa única sem separação. Não é à toa que trazem a performance de Joan Jonas, que nos leva a vários espaços de heterotopia como levantados por Michel Foucault em Des Espaces Autres , texto publicado em 1984 a partir de palestra proferida pelo autor em 1967.
O vazio deixado propositadamente no segundo andar é o espaço deixado para a criação. É como se a Bienal fosse a mente do criador: para se criar é preciso que a mente esteja vazia, que haja espaço para ser ocupado.
Os seminários trazem questões importantíssimas a serem discutidas, pois a memória é o lugar em que o homem encontra as raízes de sua identidade, constrói sua dignidade e guarda seus sentimentos. Para além dos seminários os debates são necessários para o esclarecimento, a divergência, e o aprendizado. Tom Jobim disse que fazer sucesso no Brasil é traição nacional. Eu diria que romper com o tradicional é quase traição nacional. A curadoria, ao romper com estabelecido, questiona a própria mostra e os outros modelos de grandes exposições e bienais que existem. Precisamos sair do âmbito do pessoal, do particular, para o debate público e abertura a novas possibilidades - só assim seremos universais."
Rosângela Rennó
"Acho que essa edição vai ficar inscrita na história das Bienais de São Paulo como um episódio melancólico: uma Bienal com pouca ou quase nenhuma arte. É possível fazer uma Bienal com poucos artistas, mas o que não se deve fazer é uma Bienal com pouca arte. Painéis de discussão, ciclos de debate e palestras são importantes, principalmente, se a intenção é a discussão sobre a crise institucional, mas não são suficientes; não se pode negligenciar a responsabilidade que essa mostra tem com um público muito maior do que aquele que freqüenta os auditórios do pavilhão. O enorme público que comparece às Bienais de São Paulo tem um perfil muito mais elástico do que aquele que freqüenta as Documentas de Kassel, por exemplo. Quando ele entra no pavilhão é pra ver "alguma coisa" e não um espaço vazio justificado por um texto que se resumiria com um "je suis désolé", ainda mais porque esse texto não foi escrito por um artista. Se a intenção da Bienal era mostrar a crise ou o esgotamento da instituição que a abriga, que o fizesse através de trabalhos e não da ausência deles. Dessa maneira o público entende como a falência da própria arte. Por que, então, não ficaram só no território do teórico, do conceito? Talvez tivesse sido mais eficaz: parar pra pensar, identificar os problemas e achar soluções pra fazer melhor na próxima."
Nuno Ramos
"Pra mim foi uma espécie de morte anunciada - parecia que ia dar errado, e, adivinhe, deu mesmo!
O Nelson Rodrigues tem uma peça, acho que é Os Sete Gatinhos, em que um pai de família culpa um homem que chora por um olho só pela decadência de sua família. Na cena final ele chora... por um olho só, e descobre ser ele mesmo o algoz familiar. É essa bandeira que diversas instituições ligadas à arte vêm dando há um tempo já - elas estão chorando por um olho só, atacando, controlando, vigiando, disciplinando, reduzindo, emburrecendo (consciente ou inconscientemente) aquilo que supostamente deveriam preservar e engrandecer: a arte.
Essa Bienal, pra mim, com todo respeito aos artistas participantes (que tiveram um papel de fato coadjuvante), foi o exemplo extremo disso, a ponto de (nunca é demais repetir esse fato espantoso) ter praticamente substituído os artistas pela Curadoria."
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*Separei algumas parte que concordo, e outra que discordo.
"não se pode negligenciar a responsabilidade que essa mostra tem com um público muito maior do que aquele que freqüenta os auditórios do pavilhão. O enorme público que comparece às Bienais de São Paulo tem um perfil muito mais elástico do que aquele que freqüenta as Documentas de Kassel, por exemplo. Quando ele entra no pavilhão é pra ver "alguma coisa" e não um espaço vazio justificado por um texto que se resumiria com um "je suis désolé", ainda mais porque esse texto não foi escrito por um artista"
"A obra, a sua presença, é que sustenta o agora, que oferece os vários sentidos ao debate. Quando ela não está presente, sobra apenas a discurseira. Nessa direção, o vazio transforma-se em empobrecimento. E penso que nessa Bienal sobrou discurso... O que vem revelar o outro lado do empobrecimento: o da chatice. Bienal que discute Bienal, arte que discute arte, etc."
O ùnico comentário que louva a iniciativa, é justamente um desses que considero bem "arte contemporânea".Embebido de selos e referências e estrangeiras, exibição de conhecimento das estrelas da arte européia (ou norte americana) e chavões básicos da pós modernidade (rs!): Heterotópia e Dessacralização.
"Não é à toa que trazem a performance de Joan Jonas, que nos leva a vários espaços de heterotopia como levantados por Michel Foucault em Des Espaces Autres , texto publicado em 1984 a partir de palestra proferida pelo autor em 1967.
Precisamos sair do âmbito do pessoal, do particular, para o debate público e abertura a novas possibilidades - só assim seremos universais."
*Até concordo com esta ultima frase, mas não neste argumento que a Shirley defende.Me parece que a universalidade que ela menciona é muito mais uma universalidade de tornar-se internacional, global do que reconhecer a universalidade de nossas necessidades e potencialidades dentro de nossos próprios contextos.Acho que se o "pessoal" não fosse universal, a arte nem de longe poderia atualmente ser contemporânea.
Aslan Cabral
CeM 25 anos! Depoimento: Leonardo Brant
Há um ano
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