sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Aslan Cabral-"A Busca de Novas Bases para uma Arte Atual"


Aslan Cabral "Sem título"2007 da série Arte Atual.



Por Ana Luísa Lima sobre Sem título | Especial para a Mostra Catálogo 2ptos, de Aslan Cabral, para o Projeto Jovem Crítica da Mostra Catálogo 2ptos*

Original: http://www.doispontos.art.br/novo_interno.php?cod=425

"Quanto à liberdade subjetiva, não é difícil imaginar que algumas pessoas possam gozar da liberdade e outras não, ou que algumas possam ser mais livres do que outras. A autonomia, ao contrário, não é um conceito distributivo e não pode ser alcançada individualmente. Nesse sentido enfático, uma pessoa só pode ser livre se todas as demais o forem igualmente".
Jürgen Habermas em A Ética da Discussão e a Questão da Verdade

"O lugar da arte tornou-se nele incerto. A autonomia que ela adquiriu, após se ter desembaraçado da função cultual e dos seus duplicados, vivia da idéia de humanidade. Foi abalada à medida que a sociedade se tornava menos humana".
Theodor W. Adorno em Teoria Estética

O problema da arte não está só na arte. Mas numa humanidade cada vez mais diluída, quase aniquilada, em nome da "desconstrução" – muito embora em Derrida a desconstrução seja o meio de reconstrução do caminho, e não da destruição pelo desgaste analítico. Acontece que dissecaram os órgãos da humanidade e nesse ato a alma se perdeu em algum lugar.

Vai ver que Aslan Cabral andou querendo matar a si mesmo -como na série fotográfica Goodbye World, em que simula sua própria morte em várias situações- por algum tempo para ver se encontrava alguma alma, algum sopro, algum vislumbre de vida inédita em cada ressurreição. Porque tudo lhe soa repetitivo - inclusive a arte contemporânea: suas formas, seus jeitos, seus discursos.

Parece-me que a arte há muito perdeu sua potencialidade de fazer pensar, de inspirar, de gerar mudanças. Perdeu seu veio sociológico e político. Desde a Nova Objetividade, a cena artística brasileira insiste em trabalhar apenas para assentar tijolos sobre aquilo já posto. O que se tem quase sempre (tirando as obras que não nos dizem nada) são obras interessantes -isso quando conseguimos informações suficientes para adentrar na suas subjetividades-, mas nada que seja capaz de se comunicar conosco de tal forma que faça latejar em nós coisa nova (ainda que não seja para o outro, coisa absolutamente nova).

A arte há muito esqueceu a inter-subjetividade. Apregoa-se à interatividade que é coisa diferente, ao meu ver, potencialmente inferior. O agir-com proposto pela maioria dos trabalhos (ditos) interativos não vai além da provocação da mera reação aos estímulos pré-estabelecidos pela obra. Nesse sentido, voltamos ao equívoco do behaviorismo, enquanto que deveríamos preferir o construtivismo cognitivo que preconiza a inter-subjetividade.

Ora, a obra não precisa se mascarar de interativa para nos animar, para nos mover do nosso estado de inércia. Toda obra, interativa ou não, deveria ter um potencial para gerar diálogos entre-sujeitos. Obra como propulsora de movimento cultural. O sujeito sai do encontro (com a obra e com o sujeito que criou a obra) com sua rota alterada. A colisão, e mistura dos sujeitos, gera novas trajetórias, que por sua vez gera novas produções culturais (simbólicas ou não).

Uma outra grande questão a ser percebida é que a arte pós-moderna, em busca de uma pretensa autonomia, nos impôs a contemporaneidade de toda a história da arte. Eu bem sei que todo conhecimento construído no passado pode-nos ser contemporâneo quando revisitado -quase sempre de maneira pontual. O que quero dizer é que o pós-modernismo como não negação do passado, coisa que natural e salutarmente acontecia, afirma todas as manifestações passadas como possibilidade atual. Assim, finda-se a idéia de fronteira, de parâmetro. Não há contra o que, ou quem, se rebelar. Fica só essa angústia inerte. Não estamos verdadeiramente livres, mas paradoxalmente engessados nesse limbo de Todas as possibilidades.

A vulnerabilidade, nossa e da arte, está justamente nessa (falsa) idéia de possibilidade infinita. Porque quando passamos para a verdade prática, temos uma espécie de regra, arbitrada por alguns poucos (sistema/mercado de arte), do que deve ser arte. No fim, vemos que nada disso é de fato possível: nem a pluralidade igualitária (no sentido de todos os artistas e suas respectivas linguagens terem direito de usarem igualmente os mesmos espaços); nem a possibilidade infinita em relação a suportes e mídias. Ora, se existe arbitrariamente uma espécie de norma do que deve ou não ser usado numa obra de arte - em determinado espaço e tempo -, a idéia de Todas as possibilidades é mera utopia.

Vivemos a Era do arbitrário, da subjetividade. Todo mundo se diz livre para fazer e dizer o que bem quiser, mas o que se tem de fato é uma liberdade prática que só existe para uns poucos – os árbitros. Para os demais, resta dançar conforme a música pré-estabelecida - ou não dançar fingindo-se surdo. O grande equívoco da arbitrariedade promovida pela subjetividade é que só uns poucos detêm os códigos certos para participar e desfrutar de uma determinada produção cultural-simbólica. E essa ditadura da subjetividade cultiva as repetições de falas (obras). Porque repetir, nesse sistema, é ter acesso para figurar entre os "produtores culturais".

Ciente dessa falsa idéia de liberdade e de possibilidade Aslan Cabral deixa transparecer neste seu novo trabalho a figura do artista como operador de mudança, e propõe a destruição desses edifícios ideológicos arbitrariamente construídos. Para ele é necessário destruir todas essas falácias e começar do zero. Por o primeiro tijolo para uma construção em que todos possam ser reconhecidos individualmente e como iguais – autonomia. A idéia de Todas as possibilidades deve ser substituída por umas poucas possibilidades que seja, mas que permita a quem bem queira a liberdade e autonomia de manejá-las. Inclusive, a possibilidade de criar, como artista, seu próprio mundo - desde que seja, também, possível todos os outros mundos correlatos.

Para Aslan, é tão vital tornar real essa possibilidade de autonomia que ele chega a pensar na possibilidade de não continuar insistindo numa produção artística dentro dessa "dinâmica" do sistema atual. E fala sobre um projeto de "construção de olhar" – uma promoção de discussões, a partir de trabalhos de diversos artistas, em salas de aula por várias escolas da cidade. Na verdade, essa construção de olhar é o construtivismo cognitivo através da inter-subjetividade. É tornar possível que qualquer um possa ter os códigos de acesso para as produções cultural-simbólicas – até por que, qualquer um, nesse sentido, é também produtor.

O artista, para esta Mostra Catálogo 2ptos, opta por não fazer uma obra "interativa" seguindo a tendência das obras feitas para espaços midiáticos, tampouco digitalizar obra originariamente feita para outro suporte. Ele cria sua obra-manifesto a partir de signos gráficos reconhecidamente midiáticos, no intuito de fomentar diálogos. O mínimo que dá para fazer, enquanto a humanidade ainda resolve se (re)tornar mais humana e a liberdade-engessada, autonomia.


*Ana Luisa Lima é graduanda em Licenciatura em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco e membro do grupo Tatuí de Crítica.

Um comentário:

Direção do Sanatório Geral disse...

Cara, adorei super esta casa.... Bom demais mesmo... Parabéns!
Tudo de bom!
Sorte sempre, meu caro.
Grande beijo, Uiane

www.avidatemacorquevocepinta.blogspot.com