quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Crítica de exposição-Black Is Beautiful





DE NIEUWE KERK
Dam Square
AMSTERDAM

até 26 OUT 2008



Black is Beautiful é daqueles títulos que devido ao seu significado e força, merece de imediato a nossa atenção. Todavia, a exposição que o ostenta fica muito aquém da dimensão da homenagem que propõe fazer. É preciso relembrar que não estamos a falar da imensa riqueza cultural de Marrocos (para abrir um pouco as mentes de tantos movimentos anti-islâmicos surgidos nos Países Baixos) ou da descoberta dos tesouros de um dos países mais inóspitos do mundo, o Afeganistão. Ambos os temas estiveram também patentes em anteriores exposições na igreja De Nieuwe Kerk, na praça do Dam, em Amesterdão.

No entanto, tais temas prestavam-se a lugares íntimos e sagrados como este, que de sagrado já tem muito pouco, mas a celebração de uma cor de pele teria no mínimo que ser capaz de arrombar todo o quarteirão. Por ser fracturante, ou absolutamente fascinante, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Pois esta exposição a decorrer até 26 de Outubro faz-nos sentir, ao contrário, mais um espírito de penumbra e fatalidade do que uma mudança profunda e rejuvenescedora. A iluminação escolhida favorece um ambiente fúnebre no deambulatório da igreja e como se não bastasse, ouve-se amiúde como música de fundo a banda sonora do filme Bleu de Krzysztof Kieslowski. Uma música sublime mas, inadequada para este contexto. Mas donde viria tal peso? Na capela-mor o narrador de um documentário dizia expressamente que se evitaram gravuras onde os negros eram postos a ridículo com o intuito de não chocar. Ora, isto dá que pensar! Se o holocausto tem que ser assumido por quem o vinculou com todas as suas amargas vertentes, muito mais terá a população branca que mostrar, encarar e superar de uma forma criativa esse passado que a todos nos toca. Da mesma forma, qualquer indivíduo negro não se poderá afastar de um passado que lhe pertence, que apesar de tudo sempre o soube transformar, nunca desistindo dos seus sonhos. Esta atitude enraizada numa mentalidade calvinista, ainda bem presente na sociedade holandesa releva-se muitas vezes mais um sinal de cobardia do que respeito pelo outro. Com o medo de chocar, escondem-se emoções e pensamentos fundando uma paz podre. Tendo por exemplo, o Museu da Diáspora Africana, em São Francisco; a verdade histórica é apresentada sem qualquer sentimento de pena. Assume-se a escravidão, a pobreza ou a deslocação forçada e celebra-se o presente e um futuro onde diversidade é cor e música de tambores. É ESPERANÇA!

Por esta razão, no meio dos olhares de gente que olha para a pintura de um negro como para um objecto dum gabinete de curiosidades; para além da minha amiga morena preta de Angola, apenas um senhor do Suriname se atreveu a entrar. Sobre as obras em específico, temos de Íris Kensmil a vertente mais politizada. A tela Zwarte Dagen foi baseada numa foto da filósofa negra Angela Davis sobre o movimento Associated Black Panthers e 12 memorial tablets expostos aqui e acolá nas colunas de uma das alas da igreja lamentavelmente de difícil leitura; prestam homenagem a Granny Nanny (heroína nacional da Jamaica); Maria Stewart, a primeira mulher negra defensora dos direitos das mulheres, ou do nacionalista surinamês Anton de Kom. Enquanto, Charlotte Scheiffert se refere à força das mulheres negras – super-vaidosas, super-fortes, super-mães –, o trabalho de Marlene Dumas é sem dúvida, o mais apelativo. São expostos 44 desenhos coloridos que são recortes de jornais, reproduções ou fotos transformadas de algo que anteriormente exprimia preconceito. O seu retrato de Nelson Mandela enquanto jovem, apenas um pouco antes de ser sentenciado a viver na prisão, tem como especial impacto o seu título, Would you trust this man with your daughter? O contraste entre o carisma desta figura mundial e a sua sentença diz tudo.

A limitação a que alguns se submetem e a flexibilidade doutros são representados a estilo de anedota por Îna van Zyl. Ela construiu uma banda desenhada onde uma patroa pergunta numa vinheta: “Rosália, Rosa, qual é o teu verdadeiro nome?”, ao qual a criada negra responde “O meu verdadeiro nome é Rosa ou Nonceba”. Do movimento COBRA foi Anton Rooskens quem mais se inspirou nos temas africanos devido às suas expedições ao Congo e ao Uganda. E de Karel Appel temos numa das vitrinas, um retrato de um negro (1945) sugerindo em toda a sua força expressionista o jazz, que como música originária da comunidade negra americana, era uma clara contestação aos nazis que ainda então ocupavam a Holanda.

Do início do séc. XX, dois quadros de Jan Sluijters representando um negro e uma negra foram concebidos segundo um elevado estudo sobre a cor mas, talvez ainda mais interessantes sejam duas outras telas de Isaac Isräels. Negerbokser retrata Battling Siki, o primeiro boxeur negro a actuar nos Países Baixos, num brilhante jogo de contrastes luminosos sobre a sua pele. É de especial interesse igualmente, a maneira como captou o vigor das danças guerreiras dos Ashanti, onde se sente a pujança dos seus saltos.

Esta exposição destaca-se ainda pelas obras de Rubens, das representações do Rei Mago Baltazar (uma das primeiras representações de figuras negras na história da pintura), dos meninos negros como criados de senhoras nobres ou das obras de grande interesse histórico sobre a colonização holandesa no estado brasileiro de Pernambuco. Muito interessante! Pena que o registo geral da exposição seja como uma pintura de Frans Post, sobre a fábrica de açúcar: não se trata de uma reprodução realista mas, de uma peça decorativa onde os traços da senzala se tornam unicamente numa paisagem idílica. Tal atitude existiu e tem que ser mostrada…, porém na mesma medida, em que a infâmia no pleno da sua crueldade foi também retratada e que aqui se procurou ocultar.


Nuno Lourenço

Um comentário:

Talita Alves disse...

Black is - so fuckin' - beautiful!