quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Arte Atual-Mattew Barney


O artista americano fala nesta entrevista sobre seu último trabalho "Drawing Restraint 9", em que ele também é ator junto com a sua mulher, a cantora Bjôrk, que assina a trilha do filme. Barney um expoente da arte contemporânea, conhecido por seus trabalhos intricados, esteticamente impactante, de referências múltiplas e híbridas, vide sua série Cremaster, fala nesta entrevista como seus filmes estão ficando mais cinemáticos, mais narrativos. Mas não muito, que fique claro.



Incensado pelo New York Times como “o artista americano mais importante de sua geração,” Matthew Barney criou uma recente série de filmes de arte que oferece algumas das imagens mais impressionantes vistas no cinema hoje, frequentemente com ele próprio no papel principal. O recente ciclo de filmes “Cremaster” e agora “Drawing Restraint 9,” são filmes que existem como parte de um trabalho artístico maior e que abrangem a escultura, a performance e o vídeo. Em seu novo filme, uma colaboração com Bjork, Barney e sua parceira interpretam os papéis de dois convidados que visitam Nisshin Maru, uma massiva embarcação baleeira japonesa. A bordo do navio, enquanto um grupo trabalha no deck para criar uma escultura feita de geléia de petróleo, os visitantes participam de uma série de elaborados rituais, culminando em uma intensa cerimônia de casamento. As seqüências - dirigidas com uma narrativa clara mas com poucos diálogos - são embaladas por uma poderosa trilha sonora original composta pela artista mais popular da música islandesa.

O filme, abstrato e visualmente magnífico viajou por um número limitado de festivais de cinema e será parte de uma exibição maior dos “Drawing Restraint” na Coréia, Europa e São Francisco.

Como os filmes do artista Matthew Barney são financiados por investidores individuais que possuem cópias do trabalho, seu novo e impressionante trabalho “Drawing Restraint 9” será visto somente por um limitado público nos cinemas e provavelmente nunca será lançado em DVD. Estreiando no IFC Center em Nova York, ele será exibido em menos de 20 cidades nos Estados Unidos. indieWIRE participou de uma prolongada discussão sobre o filme no Festival Internacional de Cinema de Toronto (em setembro de 2005) onde “Drawing Restraint 9” teve sua premiere na América do Norte.

iindieWIRE>> Estou um pouco hesitante em discutir sobre o filme porque sinto que seria necessário vê-lo mais uma ou duas vezes, mas… fiquei pensando sobre esta idéia do ritual: o embrulho dos presentes, a raspagem do cabelo, ou a criação desta escultura naquela embarcação. Depois de ter assistido o filme eu me vi pensando sobre todos os rituais que são relevantes na cultura japonesa e pensei se poderíamos começar discutindo se isso foi um fator para você contar esta história?
Matthew Barney>> Eu fui convidado por um museu no Japão para fazer uma exibição lá, e isso foi mais ou menos há cinco anos atrás. Eu me senti num lugar onde pude encontrar coisas com as quais eu poderia criar fortes relações. Mas, por um outro lado, senti também uma certa impossibilidade ao estar num lugar tão diferente daquele com minha própria cultura… então comecei a pensar sobre o relacionamento entre convidados e anfitriões. Eu mesmo era um convidado deste anfitrião, e pensei sobre como na cultura japonesa existem estes relacionamentos tão formais entre convidados e anfitriões. Existe uma coreografia inteira em torno desse relacionamento e de algum modo, me identificando como um convidado, pude começar a imaginar como poderia fazer isso, e como poderia ir lá e me sentir honesto sobre o que eu estava tentando fazer… Isto provavelmente foi o que me conduziu a este tipo de foco na imagem da baleia, ou na tradição da pesca da baleia, que é muito forte. Também tem a ver com esta imagem romântica de estar dentro de uma baleia, que nós todos conhecemos de “Moby Dick”, de “Pinocchio” e de todas estas outras histórias, que poderiam se encaixar nos relacionamentos convidado/anfitrião que já estavam em algum lugar, de alguma maneira, no meu modo de trabalhar. Todas essas coisas juntas deram início a uma estrutura, ou pelo menos uma base, de todo o meu trabalho.

iW >>Como então isso se relaciona com os outros oito aspectos da série “Drawing Restraint”? Esse trabalho não me é muito familiar mas acho que eles tomam formas diferentes - não são cinemáticos, são baseados em desenhos e, eu suponho, performances.
MB>> Sim, e há uma sala onde existe um vídeo multi-canal, que é uma espécie de meio do caminho entre um tipo de performance em tempo real e um trabalho cinemático.

iW>> E todos os nove trabalhos são parte de uma exibição num museu japonês? Se por acaso eu fosse a essa mostra, eu veria todos esses aspectos representados ali?
MB>> Hmmm. Talvez junto com a escultura do “9”, que é bastante significativa… mas eu acho que o “Drawing Restraint 9” está mais engajado com o Japão no sentido das funções naturais do Shintoismo e também como se fosse uma lente onde pudéssemos ver o mundo completamente. Durante uma das minhas primeiras viagens ao Japão, eu visitei um lugar chamado Santuário Ise. Ise é uma cidade, um santuário Shinto - um do mais sagrados deles. Há um grande número de lugares que têm templos dentro da floresta. Cada um destes lugares é retangular e coberto com pedras brancas e seixos pequenos. Numa metade fica um templo e na outra metade há uma caixa pequena. Durante vinte anos esses lugares ficam assim, e no fim dos vinte anos uma cópia do templo é construída onde estava a caixa e a antiga caixa é queimada. Uma outra caixa é colocada do outro lado e em outros vinte anos se faz uma nova troca. Isto tem sido assim desde sempre. E para mim essa imagem era muito poderosa. Me impressionou a maneira como o Shintoismo encara o fato da natureza ser dependente, ter que se deixar remover para poder criar. E comecei a pensar em como o projeto “Drawing Restraint 9” poderia se relacionar com os aspectos básicos do Shintoismo.

iW>> A indieWIRE te entrevistou quando você lançou “Cremaster 3” nos cinemas e nesta entrevista você falava sobre self-portrait. Eu queria saber se está acontecendo uma coisa semelhante agora, quando você descreve um relacionamento que está acontecendo a bordo de um baleeiro – com todas estas ligações entre tradição, história e ritual – e onde sua parceira (Bjork) é alguém com quem você já está envolvido num relacionamento – isso é um reflexo seu? Você está olhando para um relacionamento particular outra vez? Você está se colocando nele outra vez?
MB>> Eu acho que uma das diferenças fundamentais entre o ciclo “Cremaster” e este meu novo trabalho é que “Cremaster” é como se fosse uma pérola que se desenvolve dentro de uma ostra, ou seja, uma situação muito hermética, ele descreve uma coisa muito hermética. “Drawing Restraint 9” é mais como a maneira que o Shintoismo é descrito, às vezes graficamente, e isso tem a ver com uma série de relacionamentos internos. Se você pensar em sobrepor duas entidades – e no espaço que existe entre elas, procurando o todo - então você pensa sobre um tipo de relacionamento que se multiplica em muitos, muitos relacionamentos e se transforma numa maneira de olhar o mundo como uma série de relacionamentos internos… é como o Shintoísmo, que acredita que o interior da rocha é tudo. Deus vive na rocha, Deus vive na árvore, e em todas as partes vive o todo. Então tudo isso é muito diferente do modelo “Cremaster”. Mas penso que em termos da noção de um relacionamento, eu acho que é um relacionamento nesse nível, em um nível mais exato. Eu pensei que, trabalhando com Bjork, seria mais fácil contar uma história de amor, que era uma coisa que eu queria fazer também. Eu queria que o trabalho funcionasse como uma história de amor, mas acredito que nosso interesse em trabalhar juntos desse jeito provavelmente tinha mais a ver com o lado subjetivo e como nós dois nos relacionamos realmente com a natureza.

iW>> Antes de ver o filme eu não tinha escutado nenhuma das músicas, mas soube que elas foram lançadas antes mesmo que o filme começasse a participar dos festivais. Eu queria saber se você poderia explicar o processo criativo com Bjork, e se isso é uma extensão do “Drawing Restraint 9”, como foi essa colaboração. Como a música dela serviu de informação para a criação do seu filme ou vice-versa? Foi inteiramente colaborativo, ou vocês trabalharam separadamente ? Como foi essa dinâmica de trabalho entre vocês dois?
MB>> Eu acho que existiu um grande número de dinâmicas diferentes dentro deste trabalho. Em certas cenas a narrativa e a música foram desenvolvidas simultaneamente, em algumas cenas ela recebeu o corte para fazer a trilha e outras onde ela escreveu uma parte antes e a cena foi editada depois. Eu acho todas essas dinâmicas interessantes, mas o que mais me interessa é quando as duas coisas são desenvolvidas ao mesmo tempo, e que certamente fica mais natural para este tipo de trabalho porque não há nenhum diálogo. Você meio que depende da música, especialmente quando há letras na música.

iW>> Então de onde veio a idéia da música de abertura - que é basicamente em forma de uma carta - ou como você desenvolveu a idéia de uma carta que se ajusta para contar esta história?
MB>>Eu encontrei uma compilação de cartas do povo japonês para o general MacArthur durante a ocupação, e descobri um tom que senti ser muito apropriado, uma vez que visualmente nós víamos um presente sendo embrulhado. Ler cartas do povo japonês ao general MacArthur, apenas alguns anos depois que a bomba foi lançada, foi completamente desconcertante para mim… ler estas cartas tocantes escritas para ele, eu realmente não podia entender. Havia uma coisa que li num dos livros japoneses sobre os baleeiros, que tinha a ver com uma das coisas que MacArthur fez no Japão, que foi sugerir que eles transformassem embarcações militares em navios baleeiros. A carta do início do filme foi manipulada, eu adicionei algumas coisas sobre baleeiros nela.

iW>> Eu li o texto da carta no encarte do CD e pensei se essa carta foi usada como uma base que você usou para começar a contar a história, conectando com as imagens do embrulho do presente (na cena da abertura). É uma seqüência bonita que vem antes da seqüência formal dos créditos onde as imagens dos instrumentos combinadas dão forma às palavras “Drawing Restraint 9”. É uma prévia surpreendente de onde a história vai. Como isso apareceu?
MB>> É um relacionamento entre um tipo de condição pré-histórica e uma condição contemporânea. Como o fóssil pré-histórico, que é a fonte do petróleo, e a maneira que o petróleo substitui eventualmente o óleo de baleia como fonte primária de energia, e como ambos podem conviver simultaneamente. Aquele tipo de embrulho é usado em ocasiões festivas, como ano novo, ou um casamento. É um típico embrulho de um presente de casamento. E os trajes que se usam na cerimônia chave são para um casamento Shinto.

iW>> Mudando um pouco de assunto: o projeto “Drawing Restraint 9” atinge um ponto culminante, onde você decide trabalhar de forma mais cinemática outra vez. Mas, muitas pessoas, que não terão a experiência de ver todo o projeto junto, vão sentar no cinema durante duas horas e meia e ver o filme. Você poderia explicar um pouco sobre como ou quando você decidiu usar a forma - se é que posso usar essa palavra – cinemática mais tradicional para contar uma história? Você acha que a experiência de um espectador do Japão, que pôde ver o projeto como um todo ou alguém que foi ao Guggenheim e viu tudo do “Cremaster” é muito diferente de um espectador que viu somente o filme num festival?
MB>> Acho que isso começou com o “Cremaster 4”, quando o Film Fórum de Nova York perguntou se poderiam exibi-lo. Acho que eles tinham visto uma projeção que tínhamos feito onde nós mesmos montamos um projetor e exibimos num espaço. Mas sempre quis mostrá-lo numa forma linear. As partes do filme que eu fiz antes eram mais para funcionar como loops em salas com várias telas com projeção simultânea. Com o “Cremaster 4,” eu quis que o trabalho fosse visto do começo até o fim - quando nós fomos convidados para mostrar o filme no Fórum de Nova York, me pareceu uma ótima oportunidade para isso. Mas o mais interessante - talvez não tanto com os “4,” mas com a parte seguinte - “1” e então “5,” um outro público começou a vir para vê-los. Fiquei muito excitado com isso. E acho que isso afetou o modo de como os números “2” e “3” foram feitos…

iIW>> É mesmo?
MB>> Sim, nesses eu pensei como um texto, ou como um filme, e em como eles funcionariam como um filme – mesmo de forma um pouco excêntrica - mas acho que podem funcionar, existe um público para eles. Mas, eles podem funcionar também dentro de um outro sistema, como numa escultura narrativa, em que primeiramente você faz um texto e depois você faz os objetos. Eu começo com uma história e depois faço a escultura dessa história, e as histórias ficam mais e mais elaboradas. Mas acho que isso se deve ao fato de que eu estou excitado por que isso funciona das duas maneiras e assim acho que eu fiz força para ser mais cinemático, porque o trabalho parece ter sido destinado para ser assim e eu tive uma habilidade para fazer isso. Enfim, é muito orgânica a forma que isso acontece, e é também verdadeiro que eu uso o vídeo em primeiro lugar. Quando eu comecei a usar o vídeo, era só uma câmera de vídeo na mão, emprestada de um amigo, que me gravava fazendo alguma coisa em meu estúdio. Era só um registro vagaroso e aos poucos essa ações tomaram um outro sentido, mais direcionado ao personagem, mais narrativo, e comecei a editá-lo, e aos poucos tudo se tornou mais fílmico... Mas lentamente…

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